sexta-feira, 4 de março de 2011

O Prego

                                              Parede01_large
Foi de repente. Dois quadros que tenho na parede da sala despencaram juntos. Ninguém os havia tocado, nenhuma ventania naquele dia, nenhuma obra no prédio, nenhuma rachadura. Simplesmente caíram, depois de terem permanecidos seis anos inertes. Não consegui admitir essa gratuidade, fiquei procurando uma razão pra a queda, haveria de ter uma. Poucos dias depois, numa dessas coincidências que não se explicam estava lendo um livro do Italiano Alessandro Baricco, chamado novecentos, em que ele descrevia exatamente a mesma situação: “no silêncio mais absoluto, com tudo imóvel ao seu redor, nem sequer uma mosca se movendo, eles, zás. Não há uma causa. Por que precisamente nesse instante? Não se sabe. Zás. O que ocorre a um prego para que decida que já não pode mais?”
Alessandro Baricco, não procura desvendar esse mistério, apenas diz que assim é. Um belo dia a gente se olha no espelho e descobre que está velho. A gente acorda de manhã e descobre que não ama mais a uma pessoa. Uma avião passa no céu e a gente descobre que não pode ficar parado onde está nem mais um minuto. Zás. Nossos pregos já não nos seguram.
Costumamos chamar essa sensação de “cair a ficha”, ma acho bem mais poética e avassaladora a analogia com os quadros na parede. Cair a ficha é se dar conta. Deixar cair os quadros é um pouco mais que isso, é perder a resistência, é reconhecer que há algo que já não podemos suportar. Não precisa ser necessariamente uma carga negativa, pode ser uma carga positiva, mas que nos obriga a solicitar mais forna dentro de nós.
Nascemos, ficamos em pé, crescemos e a partir daí começamos a sustentar nossas inquietações, nossos desejos inconfessos, algum sofrimento silencioso e a enormidade de nossa paciência. Nossos pregos são feitos de material maciço, mas nunca se sabe quanto peso eles podem agüentar. O quanto podemos conosco? Uma boa definição de felicidade: Ser leve pra si mesmo.
Sobre os meus quadros: Foram recolocados na parede. Estão novamentos fixos no mesmo lugar. Até que eles, ou eu, sejamos definidamente vencidos pelo cansaço.

                                                                                                                  Martha Medeiros 

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